A dispensa, com ou sem justa causa, de empregados considerados
dependentes de álcool tem sido objeto de exame no Tribunal Superior do
Trabalho (TST), cuja jurisprudência consolidou-se no sentido do
reconhecimento de que o alcoolismo é doença crônica, que deve ser
tratada ainda na vigência do contato de trabalho.
Para o TST, a
assistência ambulatorial ao empregado traduz coerência com os princípios
constitucionais de valorização e dignidade da pessoa humana e de sua
atividade laborativa.
Dentre os recursos analisados pelo TST
encontram-se os que apreciaram questões afetas à justa causa aplicadas a
empregados reconhecidamente dependentes do álcool.
Nos autos do
AIRR-397-79.2010.5.10.0010 foi examinado recurso por meio do qual a
Empresa de Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT) pretendia ver
reconhecida a conduta reprovável de empregado que havia sido demitido
por justa causa. O julgamento ocorreu em 14 de novembro de 2012, em
sessão da Sexta Turma.
Segundo admitido pelo próprio carteiro,
ele encontrava-se em estado de confusão mental causada pela ingestão de
remédios controlados e álcool, quando praticou ofensas aos colegas de
trabalho.
A sentença que afastou a justa causa ante o
reconhecimento da doença sofrida pelo reclamante foi ratificada pelo
Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região (DF/TO).
Para os
desembargadores, a prova técnica atestou que o reclamante, que tem
antecedentes hereditários de alcoolismo, preenchia seis critérios do
DSM-IV - Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais
(Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders), caracterizando a
dependência do álcool pelo empregado.
A conclusão do Regional
foi a de que o reclamante não tinha consciência plena dos atos
praticados, os quais, supostamente, embasariam a decretada justa causa
alegada pela empresa para o encerramento do contrato de trabalho.
No TST, o agravo de instrumento da ECT foi analisado pela Sexta Turma, que confirmou o acerto da decisão Regional.
Para o relator dos autos, ministro Augusto César de Carvalho (foto), o
carteiro não podia ter sido dispensado se era portador de alcoolismo
crônico, que atualmente também é classificado como doença e catalogado
no Código Internacional de Doenças, principalmente porque, naquele
momento, encontrava-se licenciado para tratamento de saúde.
O
magistrado destacou, também, a falta de consciência do autor acerca de
seus próprios atos. A consciência, um dos pilares da justa causa, é
exigida daquele que comete atos de mau procedimento, bem como o
discernimento de estar atuando de forma reprovável, em violação às
normas de conduta social e ao próprio contrato de trabalho.
No
início de dezembro de 2012, a Sexta Turma também abordou a questão da
impossibilidade da dispensa por justa causa em razão de mau
comportamento de indivíduo dependente de substância alcóolica
(AIRR-131040-06.2009.5.11.0052).
Em que pese ter sido negado
provimento ao recurso em razão de impropriedades técnicas, o fato é que a
decisão do TRT-11 (AM) considerou a farta documentação dos autos
atestando a doença do empregado para desconstituir a justa causa
imputada. A Corte Trabalhista Regional ressaltou que o "portador da
síndrome deveria ser submetido a tratamento, com vistas à sua
reabilitação e não penalizado".
No entanto, a Justiça Trabalhista
entende que a embriaguez em serviço de empregado saudável – não
alcoólatra - constitui falta grave a justificar a aplicação da justa
causa para o encerramento da relação de emprego.
OMS
A admissão como doença do alcoolismo crônico foi formalizada pela
Organização Mundial de Saúde – OMS, cujos dados divulgados em 2011
retratam que a cerveja é a bebida mais consumida no país. O mal foi
classificado pela entidade como síndrome de dependência do álcool, cuja
compulsão pode retirar a capacidade de compreensão e discernimento do
indivíduo.
De acordo com estudo divulgado pela Universidade
Federal Rural do Rio de Janeiro, o álcool também é a substância
psicoativa preferida da população mundial, sendo consumida por quase 69%
dos brasileiros. Os dados colhidos na pesquisa revelam, ainda, que 90%
das internações em hospitais psiquiátricos por dependência de drogas
ocorrem pelo uso de álcool.
Legislativo
O
Poder Legislativo está atento à condição de o alcoolismo ser questão de
saúde pública. Nesse sentido, destaca-se a tramitação no Senado Federal
do Projeto de Lei nº 83, de 2012, que, em atenção aos aspectos referidos
pela jurisprudência trabalhista, propõe a alteração da alínea ‘f' do
artigo 482 da CLT.
A intenção do legislador, conforme a
justificação anexa ao Projeto de Lei, é distinguir o dependente
alcoólico daquele usuário ocasional ou do consumidor regular que não
apresenta padrão de dependência, "para evitar a aplicação indiscriminada
das disposições do Projeto a pessoas que não demandam proteção
específica da Lei".
Nos termos do texto original, ainda com a
redação de 1943, época da aprovação do Decreto–Lei nº 5.452 (CLT),
dentre outras razões de justa causa para rescisão do contrato de
trabalho pelo empregador, está a embriaguez habitual ou em serviço.
O Projeto de Lei nº 83/2012 também objetiva a inserção de um segundo parágrafo no artigo 482 da CLT.
O texto proposto, além de exigir a comprovação clínica da condição de
alcoolista crônico, vincula o reconhecimento da embriaguez em serviço
como causa de encerramento do contrato de trabalho por justa causa,
exclusivamente, quando houver recusa pelo empregado de se submeter a
tratamento assistencial.
Por meio dessa mesma proposta, ante a
justificativa de ausência de previsão, é também formalizada alteração do
artigo 132 da Lei nº 8.112, de 1990 (Regime Jurídico dos Servidores
Civis da União, autarquias e das fundações públicas federais), para
promover a "proteção ao alcoolista que apresente dois dos mais notáveis
sintomas de dependência: o absenteísmo e o comportamento incontinente e
insubordinado – causas de demissão do servidor, nos termos dos incisos
III e V do caput daquele artigo".
Atualmente, de acordo
com o site do Senado Federal, o Projeto de Lei encontra-se na Comissão
de Constituição, Justiça e Cidadania, aguardando designação de relator
para a matéria.
(Cristina Gimenes/MB)
Fonte:
(Seg, 28 Jan 2013, 8h)
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